domingo, 2 de dezembro de 2007

por Beatriz Caetana - Cruzeiro

1.0 Um pouco de Jornalismo Gonzo e do Novo Jornalismo
1.1. Características do Novo Jornalismo



Quais são os limites entre o Jornalismo Gonzo e o New Journalism? O jornalista André Felipe Pontes Czarnobai em sua pesquisa, tentou diferenciar esses dois gêneros. O Novo Jornalismo apresenta um caráter muito mais literário se comparado ao Gonzo. Para o Novo Jornalismo é importante ter valor estético, valendo sempre das técnicas literárias. Professor em pós-graduação em Comunicação, Felipe Pena cita exemplos em seu livro Jornalismo Literário, das principais características do novo jornalismo:

· Reconstituir a história cena a cena.
· Registrar diálogos completos.
· Apresentar as cenas pelos pontos de vista de diferentes personagens.
· Registrar hábitos, roupas, gestos e outras características simbólicas do personagem.



A partir da leitura do livro de Edvaldo Pereira Lima, “Páginas Ampliadas - O livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura”, a descrição do surgimento do New Journalism é apresentada de maneira mais descritiva e aprofundada, principalmente, pelo estilo ter tido auge com os livros-reportagens. Esse gênero de observação participante, como explica Tom Wolfe, esclarece que no surgimento do novo jornalismo, os jornalistas eram mais “caras-de-pau”, não tinham medo em se arriscar, nem em aprofundar-se na matéria, obtendo assim, maior preocupação em fazê-la, e traziam de volta a junção literatura e jornalismo.



O jornalismo sempre usou de artifícios da literatura em sua linguagem, porém, nesse estilo, consegue-se dar outro direcionamento a ela, ou como entende Tom Wolfe, literatura de realidade, que seria a prática do novo jornalismo com a literatura. Truman Capote (A Sangue Frio) George Plimpton (Paper Lion) foram exemplos de escritores e jornalistas que circularam entre o jornalismo e a literatura, sendo conhecidos no início do novo jornalismo,na década de 60, época que um novo Estados Unidos começava a surgir. Vindos de movimentos e acontecimentos como a contracultura, a Guerra no Vietnã, o American Way of Life começava a ser visto e discutidos na sociedade.


Esses movimentos vieram para modificar todos os tipos de arte e linguagens, desde grupos musicais de rock’n roll que surgiam até o jornalismo. Mitos como o artista Andy Warhol, o cinema Undergroud versus o cinema Hollywoodiano, estavam envolvidos na grande mudança da nova América. O new journalism surge em um momento em que os jornalistas americanos já estavam cansados com a técnica nas reportagens, estruturas constantes. Tom Wolfe foi o precursor do nascimento desse estilo, junto de Truman Capote, Gay Talese, Norman Mailer, Jimmy Breslin, John Sack, Joan Didion entre outros. Quem também desponta como precursor no meio literário é o criador do Jornalismo Gonzo, como cita, Edvaldo Pereira Lima:


mas o prêmio mais cobiçado dos escritores free-lancers daquele ano foi para um obscuro jornalista da Califórnia chamado Hunter Thompson, que ‘se enturmou’ com os Anjos do Inferno por dezoito meses –- como repórter, não como integrante, o que teria sido mais seguro. (LIMA, 1995, p.96.).


Essa linguagem é comparada com a escrita de grandes escritores da literatura de ficção, como: Balzac, Dostoiévski e Dickens; pela forma de detalhar precisamente o espaço onde o fato acontece e acontecimentos ocorridos. É nessa fonte que o novo jornalismo adquire parâmetros. Descrevendo diálogos inteiros, com escritas em primeira pessoa:
O new journalism deu um passo na direção do mais abrangente ao introduzir monólogos interiores dos personagens de suas matérias e fluxos de consciência, até então só empregados na literatura de ficção. Tecnicamente, esse recurso manifestava-se através do “ponto de vista autobiográfico em terceira pessoa”. (LIMA, 1995, p.102.).


Mesmo migrando para o uso da primeira pessoa, em certos momentos, o novo jornalismo, não perde a características das descrições, para dar ao leitor o melhor entendimento possível do texto. Isso, como explica Edvaldo Pereira Lima, traz ao texto o realismo, e deixa de lado a idéia de ficção dos escritores do começo do século XIX. Ao importar esse estilo para as reportagens, os novos jornalistas trouxeram as pessoas para perto do mundo em que elas viviam, saindo da objetividade e entrando na subjetividade.


Em um texto da revista Communicare, o escritor Alessandro Carvalho Sales, ressalta que, os novos jornalistas agiam com muita vida nas duas pontas da prática jornalística: a captação devia ser feita no calor do acontecimento, de forma sempre participante e impressionista. No momento de escrever o texto, se expressavam da forma mais literária possível, “cenas e fatos extremamente bem caracterizados. O tom de personalidades, de subjetividade é bem mais manifesto”. (SALES, 2006, p.92.).


1.1.2. Características do Gonzo


Os textos gonzos apresentam uma constante na primeira pessoa, pois o ideal de individualidade é que deve ser seguido no estilo. Os livros de Hunter Thompson mostram a convergência desse estado de compenetração consigo mesmo, a escolha de poder fazer o que quiser, sendo ele a idéia principal do contexto. O que Hunter fazia era quase um processo de “osmose”, literalmente falando. O sarcasmo sempre presente faz com que as reportagens gonzo tracem um perfil próprio; o uso de palavras de baixo calão, a mudança de assunto no decorrer da matéria, a quebra das técnicas jornalísticas, como o lead e a criação de outros personagens leva ao texto mais dramaticidade, envolve o leitor; e às vezes, ao fugir do contexto jornalístico da realidade, o leva ao campo da ficção.


No dia 27 de agosto de 2007, o Caderno FolhaTeen, do Jornal Folha de S.Paulo, publicou um resumo sobre a vida de Thompson, o próximo filme que será produzido por Johnny Deep e mais um texto sobre as principais características do jornalismo gonzo. A matéria continha dez itens, o “Manual do Jornalismo Gonzo”, com as seguintes regras:


1. É preciso ter o talento de um grande escritor, o olhar de um fotógrafo e a cara-de-pau de um ator. Afinal, será necessário viver a ação e reportá-la, enquanto e como estiver se desenrolando;
2. Torne-se parte do objetivo de sua reportagem e interfira no destino da história;
3. Escreva, sempre, em primeira pessoa;
4. Desenvolva um estilo extremamente pessoal e único tanto ao apurar quanto ao contar a história;
5. Não deixe que o leitor perceba onde termina a realidade e onde começa a ficção;
6. Abuse de recursos humorísticos sofisticados, como o sarcasmo e a ironia;
7. Perca-se em intermináveis digressões sobre os mais variados assuntos;
8. Descreva lugares, pessoas e ações nos mínimos detalhes;
9. Explore sem medos todo o seu vocabulário e seus recursos lingüísticos;
10. Não se leve muito a sério. (FOLHATEEN, 2007.).


O jornalismo gonzo apresenta o ideal de imersão em qualquer tipo de assunto, principalmente, se tratando do uso de drogas. Esse estigma de drogas unido ao gonzo, foi marcado por Thompson, que sempre registrou passagens usando drogas ou experimentando algo novo. Em uma entrevista feita com Cardoso, no dia 21 de junho de 2007, ele esclarece essa ligação do jornalismo gonzo com as drogas.

Gonzo jornalismo não tem NADA a ver com drogas. Dizer que gonzo jornalismo está associado às drogas é o mesmo que dizer que o FUTEBOL está associado às drogas só porque o Maradona cheira cocaína. Não faz o menor sentido. [sic] (Entrevista com Cardoso).


O jornalista e um dos criadorores da revista Zero, Alexandre Petillo, quando a revista ainda estava em circulação, em 2003, publicou uma matéria em que o repórter Bruno Torturra Nogueira passava vinte e quatro horas viajando no centro de São Paulo, com quatro comprimidos de ácidos. Essa matéria foi uma das que veiculou num especial sobre drogas, características de Hunter Thompson foram empregadas nessa edição.


Tem essa, muito por causa do Hunter Thompson, existe essa coisa de que tem de ser ‘doideira’ sempre, mas não necessariamente, não precisa ser, é que é complicado. Na revista, houve um especial de drogas, era pauta. Tem essa característica do Hunter Thompson, de apanhar, levar umas porradas. Não necessariamente precisa ser sempre assim. [sic] (Entrevista com Alexandre Petillo.).


Essa tendência é descrita em vários dos livros de Hunter Thompson. Ele descreve sensações que obteve ao ingerir certos tipos de substâncias. No livro ScrewJack, é fácil identificar uma dessas passagens:


Deus do céu são 6h 45 e a cápsula começou a fazer efeito de verdade. Antes de um verde monótono, o metal da máquina de escrever tornou-se uma espécie de azul muito lustroso, e as teclas faíscam e centelham, cheias de pontos de luz... eu meio que levitei na cadeira, pairando sobre a máquina de escrever em vez de ficar sentado. Tudo irradiava um brilho fantástico, luzidio e envernizado com alguma iluminação especial... e em termos físicos o negócio parece a primeira meio hora da viagem de ácido, uma espécie de zumbido onipresente, a sensação de ser agarrado por alguma coisa, vibrando por dentro mas sem nenhum sinal ou movimento exterior. É incrível que eu ainda seja capaz de datilografar. É como se eu e a máquina de escrever tivéssemos perdido todo o peso. Ela flutua à minha frente como um brinquedo luminoso. Que bizarro, ainda consigo escrever de forma correta... mas precisei pensar um pouco agora... “bizarro”. Meu Deus, será que isso ainda vai ficar pior? (THOMPSON, 2005, p.29.).



Esse trecho descreve a primeira vez que Hunter Thompson usou a droga “mescalina”, suas alucinações são detalhadamente descritas, cada sensação, cada ilusão. Em vários momentos do livro, Thompson faz ligações com outros temas, na maioria, outras personalidades. A informação que ele “injeta” no texto, adquire um caráter válido e real, pela proximidade com que ele descreve as personagens mostra o quanto ele as conhece, mesmo sendo em tom de ironia, outra característica do jornalismo gonzo. Mesmo escrito em primeira pessoa e não se limitando em ser técnico, o jornalismo gonzo não deixa de ser informativo, Intimamente ligado com a ação, como cita Felipe Pena. O Gonzo surge em 1971, de uma idéia de Thompson...


ele fazia a cobertura da Mint 400, uma corrida de motos no deserto de Nevada, para a revista Sports Illustrated. Como vivia entrando em roubadas, adotou um pseudônimo, Raoul Duke, e chamou um advogado para acompanha-lo na viagem, apelidado por ele de Doutor Gonzo. Só que o sujeito era ainda mais maluco que o repórter e também ficou famoso. (PENA, 2005, p.57.).



O artigo saiu pela revista Rolling Stone, e depois virou livro com o título Fear and loathing in Las Vegas: a savage journey to the heart of the american dream, se tornando filme, com o nome Medo e Delírio. Sendo esse estilo “filho bastardo”, “a versão mais radical”, (CZARNOBAI, 2003) do New Journalism, ele é baseado na essência literária do novo jornalismo, porém mais agressiva.


1.1.3. Eles são diferentes


Como foi citado, os textos gonzo mantém a atenção na primeira pessoa com interferências constantes do narrador. O sarcasmo presente do começo ao final das reportagens leva em certos momentos o entendimento de uma ficção pela forma de como é descrita a história, contrabalanceando com a estrutura literária empregada dos textos ficcionais. O new journalism também apresenta essa característica nos monólogos extensos introduzidos nas matérias. Sendo essa característica, talvez, a que mais dê distância do Jornalismo Gonzo, o uso massivo da terceira pessoa no novo jornalismo.


É importante salientar que a linguagem do novo jornalismo, como ressalta Edvaldo Pereira Lima, encontra melhor aplicabilidade no livro-reportagem, pelo narrador absorver toda atenção do leitor, através da forma humanizada e literária de tratar os fatos. O gonzo se encaixa independente do formato, pode ser em revistas especializadas, no cinema, ou na internet. A linguagem consegue ser contínua nos variados formatos.


Como foi citado, mesmo depois do seu apogeu com os livros-reportagens, o novo jornalismo não deixou de estar presente nas reportagens, não significando que a idéia de participar da matéria tenha passado, ela continua presente, porém com uma freqüência menor nas reportagens de periódicos. Nos Estados Unidos, o uso do novo jornalismo não se limitou aos livros reportagens. Como lá o uso do lead e a imprensa sempre foram usados desde muito tempo de forma técnica, a linguagem foi apenas se adequando a outros formatos.

(...) de forma que a pequena revolução causada pelo novo jornalismo, começando pelos features de alguns jornais, mas que chegou às matérias “quentes” e depois às revistas de informação, representou a adaptação, ao arsenal jornalístico, de algumas possibilidades literárias outrora esquecidas por conta da suprema esquematização industrialização dos textos, o lide como um dos aspectos que fundem e atestam este dito. (SALES, 2006, p.93.).



Por esse exemplo, é possível entender como no Brasil a publicação de textos alternativos são escassos, pela falta de modernidade no jornal de impressa, sendo adaptados de formatos, na maioria das vezes, americano.

O instrumental jornalístico é pobremente descrito analisado nos manuais e livros que tratam da captação das informações. São indicações de práticas às vezes completamente ultrapassadas ou inadequadas ao contexto brasileiro, por serem quase todas copiadas de receituários norte-americanos. São modelos, pautas, listagens cristalizadas de práticas rotineiras e gastas. O mesmo acontece com a redação: apenas receitas de como escrever bem, normas gramaticais e de estilo. Encontra-se pouquíssima reflexão sobre o texto como reprodução da realidade: quando há, enveredam pela análise ideológica repetindo, sem aprofundar, o mote de reforço do status quo. Não se acham análises de funcionalidade, por exemplo, de personalização ou não do narrador, do uso dos tempos verbais, do uso da descrição, do diálogo etc. BUITONI (apud. LIMA, 1995, p.105.).



O Jornalismo Gonzo, diferente do novo jornalismo, não apresenta base acadêmica que defendam seus atributos, por isso, a falta de informações sobre essa linguagem “desconhecida” faz com que o formato seja pouco utilizado. Mesmo Cardoso dizendo que o desconhecimento vale pela falta de talento e não pela falta de informação, adquirida pelos jornalistas. No Brasil, atualmente, Arthur Veríssimo é o único que consegue empregar o estilo gonzo em periódicos, como as revistas Trip e Galileu. Edvaldo Pereira Lima salienta que no caso do novo jornalismo, por seu contexto literário, ainda é mais fácil encontrar essa linguagem nos livros – reportagens e revistas como, a Piauí, que também joga com a linguagem literária.


É importante deixar claro que o gonzo usa da literatura para focar o repórter, pois ele sim, é a informação principal, a partir dele o leitor vai imaginar e tentar sentir o que ele está tentando passar. Enquanto o novo jornalismo, também usa da literatura para compor o texto de forma onde a técnica não faça parte e sim o talento do escritor.

1.2. A Ficção e seus conceitos no Jornalismo Gonzo


Nesse trabalho uma das hipóteses levantadas é de que, o jornalismo gonzo não tem uma prática mais constante pelo seu envolvimento com a ficção. Se o ponto de partida para qualificar uma linguagem ficcional ou não-ficção for comparada com o estilo da literatura de ficção, de grandes escritores como Balzac, Dickens, Gógol, Dostoievski; e se é a partir desse tipo de linguagem ficcional que Edvaldo Pereira Lima cita que, o new journalism elevou em sua forma de captação da informação baseada nos grandes escritores, então o Jornalismo Gonzo apresenta em sua estrutura alguns caminhos parecidos ao da literatura ficcional, por nesse caso, ser uma vertente dos conceitos baseados no novo jornalismo.


Ao contrário do jornalismo cotidiano, o livro-reportagem moderno ensaia introduzir, em seu enfoque, uma lente que passa a observar a realidade na dimensão ampliada perceptível pela ciência moderna. Seduzida do cartesianismo, mas sem da incorporação de óticas modernas abrangentes. Nem se trata do mergulho no imaginário como fantasia ou ficção, mas como elementos que ajudam a explicar o real num contexto total, sistêmico. (LIMA, 1995, p.101.).


Fica claro que, para Lima, o jornalismo não deixa de abordar o real e não se confunde com a ficção. Alessandro Carvalho Sales também apresenta essa idéia: “se é jornalismo, há que se fazer um relato do real. Este é o ponto de partida” (SALES, 2006, p.94), quando há uma “inventividade”, como afirma Sales, essa linguagem vai para o campo do jornalismo literário.


Essa “inventividade” pode ser vista no novo jornalismo, sendo que antes era apenas vista na literatura de ficção. Baseada nos estudos de Tom Wolfe, “os jornalistas vinham usando frequentemente o ponto de vista em primeira pessoa __ ‘Eu estava lá’ __ assim como os biógrafos, os memorialistas e os ficcionalistas faziam” WOLFE (apud LIMA, 1995, p.102.). Esse trecho se encaixa aos moldes do Jornalismo Gonzo, de (re)contar a partir daquilo que o repórter presenciou, em primeira pessoa. “Mas isto é limitador para o jornalista, porém, já que ele consegue com isso trazer o leitor para dentro da mente de um único personagem _ ele próprio” (id. 1995, p.102.).


Está aí mais um trecho da idéia do que seja Jornalismo Gonzo, descrito por Tom Wolfe, mesmo ele não se tratando direta e especificamente do gonzo, ele acha “irritante” quando características desse tipo aparecem nas reportagens do novo jornalismo, pois, a matéria se apresenta insignificante para o leitor. Porém, ao mesmo tempo em que ele discorda, admite a ligação com a ficção. “Entretanto, como poderia o jornalista, escrevendo não-ficção, penetrar precisamente nos pensamentos de outras pessoas?” (idib. , p.102.).


A ficção consegue penetrar melhor com sua narrativa discursiva, traz um contato mais íntimo e direto com a realidade. Maria Cristina Costa associa a realidade com a ficção, mostra que a ficção não é contra a realidade, mas trabalha no campo da subjetividade, tornando-se diferente dos sonhos e dos devaneios, mas participa deles, estabelece uma comunicação perfeita. No seu livro Ficção, Comunicação e Mídia, Maria Cristina, entra no campo da psicanálise em sua superfície, para esclarecer a subjetividade da ficção nos textos. Mesmo fugindo da realidade, a ficção apresenta um caráter positivo quando entra em contato com o leitor, “nessa comunicação direta e simultânea a compreensão da intencionalidade do discurso é a facilidade pelo uso de múltiplas linguagens e pela interação comunicativa que se estabelece entre autor e ouvinte” (COSTA, 2001, p.13). A consciência humana e a ficção estão ligadas entre si.


O discurso ficção é ligado a consciência humana, criando assim novas sensações que correspondem ao subjetividade, fugindo da realidade objetividade. (...) A ficção estimula a imaginação por ser uma forma da comunicação humana, vinda dos mitos, originados desde a época dos deuses ou do trabalho, mudando, dessa forma a realidade identificada diretamente. Fugindo da realidade conhecida pelos homens, a ficção opera na área subjetiva, buscando ao que foi vivido. (COSTA, 2005, p.13.).


Podemos dizer que no contexto jornalístico, principalmente no literário, a objetividade é usada para a captação da informação (independente do jeito de captá-la), no momento em que se junta à lógica, é quando encontra a subjetividade. Portanto, mesmo se distanciando do foco, o Jornalismo Gonzo usa da ficção para penetrar na mente do leitor, ou como dizia Hunter Thompson para esclarecer o que vinha a ser o estilo gonzo:


Um estilo de reportagem baseada na idéia do escritor William Faulkner segundo a qual a melhor ficção é muito infinitamente mais verdadeira que qualquer tipo de jornalismo – e os melhores jornalistas sempre souberam disso. (CZARNOBAI, 2003.).


Para Thompson não há o melhor entre o jornalismo (real) e a ficção, para ele as duas funções tem de ser feitas de forma certa, seguindo o mesmo propósito, o de informar. A ficção é a outra mão de um texto gonzo, entrelaçado com o fato, é nesse momento que o leitor é atraído pela matéria.


Perguntado sobre quanto tempo dura a produção de uma matéria gonzo, Alexandre Petillo diz que, já aconteceu de ter que fazer matéria de um dia pro outro. E já aconteceu de ter três meses pra fazer. “Você tem que aprofundar, você acaba sabendo um pouco mais do que um jornalista que fez meio por cima, ali o factual”. Sendo de formas diferentes, ou captação aprofundada, o importante, como ressalta Thompson e Petillo, é informar. Além de presenciar o fato, paulatinamente, o jornalista gonzo, sabe muito bem daquilo que vai passar para o papel, pois presenciou todas as sensações da captação dos fatos, o que possibilita informar o leitor de uma maneira diferenciada um jornalista que somente escreve matérias “quentes”.


Em nenhum momento do livro, Páginas Ampliadas, a linguagem do Jornalismo Gonzo é citada ou explicada, porém, em vários trechos implantados de artigos e livros de Tom Wolfe, ele próprio descreve o que viria a ser o Jornalismo Gonzo, mesmo não sabendo e nem se direcionando a ele.


1.3. O Novo Jornalismo americano e seus reflexos no Brasil



O novo jornalismo foi implantado primeiro nas matérias features, as matérias frias. Os jornalistas que se dedicavam a elas tinham mais tempo a se dedicarem a um jornalismo literário. Depois infiltrou-se nos jornais americanos; Herald Tribune, Daily News, The New York Times, que foram os primeiros a adotar essa nova linguagem, logo depois, revistas dominicais e as revistas independentes.


Com todas as mudanças conseqüentes dos anos 60, não seria para menos que a imprensa também não evoluísse. Eis o momento do new journalism. Surge a partir de um manifesto feito por Tom Wolfe e outros jornalistas escritores, que tentaram mudar o jornalismo técnico, sem emoção e envolvimento daquela época. Wolfe, hoje um dos maiores estudiosos dessa corrente, acompanhado de outros escritores, muitos desses inspirados na linguagem literária da década de 30, de autores como William Falkner e Ernest Hemingway. Esses levavam o lado social para a literatura. Trazem ao novo jornalismo conceitos empregados da literatura, vendo no livro-reportagem o auge do movimento.


As técnicas do jornalismo americano chegam ao Brasil no final dos anos 50, começo dos anos 60. Essa nova reforma deu início com jornalistas de peso como Jânio de Freitas, Ferreira Gullar, Reinaldo Jardim e Alberto Dines. O primeiro elemento a ser adotado pelos brasileiros foi o uso do lead, que há muito tempo era usado no jornalismo americano. Escolas de jornalismo começaram a surgir e ser implantadas como novas áreas das universidades. A primeira a tornar efetiva o curso de comunicação social foi a Escola Cásper Líbero. No final dos anos 60 surgem duas publicações, sendo exemplos da influência americana. Seria a revista Realidade e o Jornal da Tarde.


A revista Realidade durou de 1966 até 1970, foi o melhor exemplo de jornalismo e entretenimento, envolvendo criatividade e boa literatura. Com recordes de vendas, alcançou marcas antes nunca vistas em periódicos no Brasil. Primeira publicação mensal de periódicos da Editora Abril, no campo de informação geral. A revista foi idéia experimental da editora que acabou dando certo com tiragens crescentes.


O número 1 sai em abril de 1966 com 251.250 exemplares, para surpresa da própria Abril esgota-se três dias e a capa --- Pelé sorrindo com um chapéu da guarda real britânica, alusão à Copa do Mundo que se realizaria naquele ano, (...). O número 2 sai com 281.517 exemplares, também tem tiragem esgotada. O 3 vende a tiragem total de 354.030 exemplares; façanha até então considerada impossível. O quarto já está em 404.060, o quinto cresce para 470 mil, e por aí segue até que o número 11, em fevereiro de 1967, bate novo recorde: 505.300 exemplares. (LIMA, 1995, p.168.).



O motivo para todo o sucesso da Realidade, foi a “ambiciosa” cobertura que ela fez. Com publicações mensais, somado com a proposta editorial, mostrando o Brasil em seus vários ângulos do comportamento humano. Trouxe informação desde a classe alta, e aos que viviam na classe baixa. Talvez a magia da Realidade foi não ser uma revista presa ao dia-a-dia, trouxe o contemporâneo à todo seu contexto. O método dos repórteres brasileiros de captar a informação era parecido com os dos novos jornalistas, pois tinha a seu favor o tempo de um mês para a produção das reportagens, “não chegou a atingir o grau de experimentalismo ousado que alcançou o new journalism, mas sem dúvida veiculou um texto de rupturas para com o próprio texto do jornal e da revista” (LIMA, 1995, p. 172.).


No final dos anos 60, a revista já começava a dar sinais de cansaço, mesmo com grandes reportagens trazendo assuntos pertinentes à época, a revista começou a decair nos últimos anos de sua existência. Nos meados dos anos 60, o Jornal da Tarde surge com esse mesmo ímpeto, firma suas característica na produção editorial e na linguagem literária, porém com a intenção de cobrir os acontecimentos da cidade de São Paulo. Surge e evolui bem, depois acaba descendo o nível com grandes-reportagens apelativas, principalmente, nas eleições presidenciais de 1989, “mas ao longo das oscilações nunca deixou de apresentar um nível de texto verbal, nas grandes-reportagens, quase sempre bom”. (LIMA , 1995, p. 177.).























Beatriz Caetana
graduanda em Jornalismo
msn: biacramos@hotmail.com




por Beatriz Caetana - Cruzeiro

2.1. O criador do filho bastardo do New Journalism - Hunter S. Thompson



Descrito por Edvaldo Pereira Lima como um “obscuro jornalista da Califórnia”, Hunter Stockson Thompson, criador do Jornalismo Gonzo, morreu no dia 20 de fevereiro de 2005, um domingo, do jeito mais gonzo que um repórter poderia morrer: suicídio. Algumas pessoas dizem que Hunter Thompson se matou por estar com uma doença grave, preferindo o suicídio a algum outro tipo de tratamento duradouro ou penoso. Seu corpo foi encontrado pela mulher e o filho, em sua residência. Thompson deu um tiro no ouvido enquanto falava com a mulher ao telefone, para ele já não havia muito o que fazer. Apaixonado por armas de fogo, nos últimos dias de sua vida, Thompson trabalhou para o website da televisão ESPN, em uma coluna especial. Morava em sua propriedade no Colorado, a Owl Farm e caçava ursos por diversão.



Nascido em Louisville, Kentucky, em 1939, Hunter Thompson veio de uma família de pais alcoólatras, era o típico garoto problema. Começou a beber aos quinze anos, mostrando traços de sua personalidade perturbada. Estudou em escola pública e serviu a Força Aérea, essa foi sua pena por praticar vandalismo, sendo lá o primeiro lugar que começou a escrever. Cobria a seção de esportes do jornal da Força Aérea na Florida e ao mesmo tempo escrevia para outros veículos da cidade. “Estudou jornalismo na Universidade Columbia de Nova York, era fã do escritor Ernest Hemingway, que também se matou, em 1961, com um tiro de fuzil, aos 63 anos”. (ABDEL, 2006)


Thompson começou a escrever para jornais e revistas, seu primeiro grande reconhecimento foi a matéria sobre a gangue de motoqueiros Hell’s Angels, nos dezoito meses que acompanhou a gangue levou uma surra e usou drogas. Thompson queria mostrar para a sociedade o que de fato era verdade sobre os Hell’s Angels. A partir daí começou a ser conhecido no meio literário. As matérias viraram livro “editado pela Random House em 1967 sob o título Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang e reeditado mais de 35 vezes”. (CZARNOBAI, 2003.). Esse ainda não era um exemplo de jornalismo gonzo, o livro Hell’s Angels ainda é considerado estilo do novo jornalismo.


Não demorou muito para Thompson mostrar o seu próprio estilo. Em uma entrevista feita para a revista Playboy, ele contou como foi criado o jornalismo gonzo. Ele tinha que entregar uma matéria à extinta revista de esportes Scanlan Monthly, o prazo final se aproximava, e ele não conseguia terminá-la. Sem saber o que fazer, e sem conseguir pensar mais na matéria, o jornalista começou a rasgar páginas de seu caderno de anotações, numerá-las e mandar para a impressão. “Eu estava certo de que aquele seria o último artigo que eu escrevia para qualquer lugar”. Ao contrário da reação esperada, a matéria teve um retorno grandioso dos leitores e foi chamada de “ponto de ruptura do jornalismo”. (Observatório da Imprensa)


O verbete gonzo tem vários significados, um deles é “dobradiça de porta ou janela”, (Minidicionário da Língua Portuguesa, 1993), já gonzoeaux quer dizer, “caminho iluminado”, que designa da gíria franco canadense, (CZARNOBAI, 2003.) ou ainda “palerma”, nome usado por Bill Cardoso, para nomear as matérias de seu amigo Thompson.


A partir de então Thompson se tornou conhecido no meio da contracultura, sendo respeitado por seus livros e artigos. Mas foi com Medo e Delírio em Las Vegas, que o estilo ficou conhecido de fato, publicado pela revista Rolling Stone, virou livro e depois, adaptado para o cinema. O jornalista em muitos dos seus livros personificava o alter ego, Rauol Duke, o lado que ele usava para cometer seus delitos, mas era ao mesmo tempo o lado verdadeiro de Hunter Thompson. A idéia do uso de drogas nas reportagens é uma característica dele, “seus textos descreviam a influência dos psicotrópicos na apuração da reportagem. Não era incomum usar o foco inicial apenas como pretexto para descrever suas aventuras”. (RUSSO, 2007.) O uso da mescaline e do LSD são descritos detalhadamente nos livros, Medo Delírio em Las Vegas e ScrewJack. Muitos dos seus artigos ainda não foram publicados em português, principalmente os com o pseudônimo Raoul Duke.


Thompson sempre escreveu com humor, sarcasmo, entrando em várias enrascadas, nunca deixou de ser o jornalista brilhante. Através do seu próprio invento, o Jornalismo Gonzo, pôde mostrar um jornalismo literário, investigativo e narrativo de uma maneira que ele fosse o ator principal, recontasse todos os pontos pertinentes da apuração da matéria. Tudo isso o tornava único, diante do jornalismo. Na revista época, uma matéria sobre sua memória, termina da seguinte forma: Hunter Stockson Thompson, Jornalista era uma usina de extravagâncias.

2.1.1. O pequeno Hunter S. Thompson


Ele já era uma criança diferente. Sua mãe costumava dizer que Hunter havia nascido igual a uma coruja, por não dormir no mesmo horário que seus irmãos. A revista Rolling Stone, publicou no mês de outubro de 2007, a história do jornalista antes do Gonzo, desde a infância em Louisville, até os tempos de Medo e Delírio em Las Vegas.


Hunter foi criado no bairro Highlands, em Loiusville, kentucky, “era um bairro onde as pessoas se sentavam na varanda conversavam com quem passava na rua”. (WENNER, 2007.). Desde pequeno o garoto Hunter era muito carismático, sempre com crianças na porta da sua casa o esperando para brincar, alguns pais não gostavam que seus filhos brincassem com ele, achavam que era encrenqueiro. Um de seus amigos de infância Neville Blakemore, era um que o pai não gostava de ver na companhia de Hunter. Todas as crianças gostavam de ir pra casa dele e brincar de guerra, com armas de papelão faziam batalhas pelo bairro inteiro. Ás vezes, ficavam atirando nos afro-americanos que tinham perto do riacho Bear Grass, era o começo das “minicorridas” raciais.

As crianças iam ao parque jogar futebol americano, iam ao cinema, e na biblioteca para ler, “íamos a tudo que era lugar”, lembra Gerald Tyrrel, que também foi criado perto do bairro de Hunter. Os garotos adoravam esportes, mas para decepção de Hunter, seu tamanho não o deixava ser favorável no esporte, no primeiro ano do ensino médio, ainda era pequeno perto dos outros garotos, foi crescer apenas no segundo ano. Cresceu no máximo dez centímetros. Como o mundo dos esportes não o favoreceu, ele começou a gastar energia com outras coisas, como bebida, cigarro e vida social.


Nessa época, o pai de Hunter, que era muito severo com ele, morreu, perto das férias de verão. Sua mãe começou a beber, ele também bebia, mas não gostava de ver sua mãe naquela condição.


Hunter apareceu na porta da minha casa e passou horas lá sentado, sem falar muita coisa. Uma das cenas mais solitárias que vi foi ele se afastando da minha varanda para pegar o ônibus na noite em que o pai dele morreu. Estava escuro e a luz da rua estava acesa. Ele não era aberto emocionalmente, mas eu segurei a mão dele. (WENNER, 2007.).


Esses eram os poucos momentos em que Hunter mostrava-se como era realmente. Em Loiusville, existia a chamada sociedade literária, Hunter e seu amigo Porter Bibb, faziam parte. Encontravam-se na Associação Literária Athenaeum, todo sábado à noite, vestidos socialmente de terno e gravata. Depois da reunião eles saiam para beber. A partir daí ele começou a escrever livros de Fitzgerald e Hemingwey, suas inspirações literárias. Escrevia os textos novamente, dizia que gostava de sentir qual era a sensação de escrever tais palavras, depois guardava as cópias de tudo que escrevia. Como na época não havia o xérox, copiava tudo em papel carbono. Seus amigos já o achavam diferente do resto dos meninos. O garoto era talentoso, se divertia com teatro de rua.


Nós fazíamos coisas tipo teatro de rua, (...) – como o falso seqüestro na frente do cinema Bard. O seqüestro estava a par da brincadeira. Nós simplesmente o tiramos da fila da bilheteria, enfiamos o sujeito em um carro e fomos embora. Ele gritava e resistia, é claro. Naquela época, não tinha nada a ver com gonzo, nem com jornalismo, nem com escrever. Era como enfiar o dedo no olho do sistema – mas com um certo humor e uma certa dose de bravata. Quer dizer, estávamos em 53,54. Nós nos sentíamos restringidos ou reprimidos de algumas maneira, e estávamos tentando explodir para fora daquilo. (WENNER, 2007.).



Com seu jeito carismático, era sociável com todos os tipos de pessoas, tanto na classe social baixa, quanto com os milionários. Freqüentava festas bacanas e andava com seus amigos delinqüentes juvenis . Hunter ganhou o prêmio em terceiro lugar de um ensaio que escreveu para o Athenaeum Spectator, com o título, Carta aberta aos jovens da nossa nação. O texto começava da seguinte maneira:

Jovens dos Estados Unidos, despertem de seu sono de indolência e atendam ao chamado do futuro! Será que percebem que estão se transformando em uma geração condenada? (WENNER, 2007.).


Com medo de qualquer crítica assinou com nome de John J. Righteous-Hypocrite (Hipócrita-Certinho).


Hunter Thompson nem tinha completado o segundo grau e já era um perfeito bad boy, cometia assaltos, andava armado, bêbado, e deixava contas de hotel sem pagar, um hábito que durou por muitos anos. No colégio, existia a turma que gostava e a que não gostava dele. Acabou sendo expulso pelos os que não gostavam. Um dia entrou em um carro com um sujeito, que assaltou outro carro. Foi preso, como já tinha passagem pela polícia, sem responsável para ajudá-lo, seu pai estava morto e sua mãe muito sem condições para ajudá-lo, “ele recebeu um ultimato: ou ia para cadeia ou servia o exército, escolheu a Força Aérea”. Na Força Aérea, melhorou seu texto e tentou ser disciplinado, mas só tentou. Depois de dispensado, Hunter pulou de cidade em cidade, como Porto Rico, Nova York e Rio de Janeiro. Fez novos amigos, entrou para Universidade de Columbia, escreveu em novos jornais e seus textos começaram a ser reconhecidos.


Para Hunter foi uma inovação na carreira e em seu estilo de vida, (...) Ele ia a qualquer lugar e escrevia qualquer coisa que o emocionasse, à sua própria maneira. Os textos passavam por edição pesada, mas isso serviu para estabelecer o nome dele, de maneira modesta, e ele conseguiu se destacar por meio dos assuntos que cobria e de sua atitude. (WENNER, 2007.).


O menino cresceu e começou a fazer parte do mundo literário americano. Com um dom que poucos escritores e jornalistas tinham, o garoto de Louisville trilhou o caminho daquilo que achava melhor para as pessoas. Ele inventou um novo caminho, o gonzo.

2.2. Arthur Veríssimo, Jornalista Gonzo brasileiro


Arthur Veríssimo, o único jornalista gonzo brasileiro, como afirma o jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário, Gustavo Abdel Masih em sua dissertação. Sempre foi uma pessoa diferente, o provável nunca foi opção para ele.


Veríssimo não é apenas um jornalista, mas um notável jornalista gonzo. O único repórter brasileiro, de acordo com pesquisas do meio acadêmico, em atividade que escreve nessa linha. Ele não apresenta só essa linguagem parecida com Hunter Thompson, os dois exibem um histórico de drogas em suas vidas.

Mas como um filho pródigo, Veríssimo mudou o rumo de sua vida, diferente de Thompson, ele conheceu a vida zen, e se encontrou nos fundamentos da vida budista. “Pra mim foi o advento, modificou minha vida. Abriu. Fui descobrir o que era zen, os fundamentos do orientalismo, quem era Mahatma Gandhi. Blavatsky, Aurobindo, todos esses nomes”. (RODRIGUES, 2006). Há mais de dez anos “na luz”, Veríssimo foi 15 vezes para Índia. Esteve presente no começa das raves no Brasil, no estilo do acid music. Foi um dos primeiros DJ a aparecer em São Paulo, na época da casa noturna Carbono 14. Viaja para Europa e voltava ao Brasil cheio de novidades do cenário musical. Nesse meio termo conheceu Paulo Lima, que estava lançando a revista Trip.


"O Paulo era amigo do Castilho, fazia os eventos de surf do Carbono e precisava de alguém pra fazer o som durante a projeção de um filme. Eu estava sentado no meio-fio, depois de uma ressaca de balada, e o Paulo me chamou. Começou então nossa pareceria, nossa amizade". (RODRIGUES, 2006)


Desde então, com dezoito anos de trabalho na Trip, Veríssimo é conhecido por suas matérias ousadas, em lugares paradisíacos em busca do auto-conhecimento. Eis o único jornalista gonzo de profissão no Brasil.



Beatriz Caetana
graduanda em Jornalismo
msn: biacramos@hotmail.com

por Beatriz Caetana - Cruzeiro

3.1. O que "eles" dizem do Jornalismo Gonzo


Um dos pontos metodológicos dessa pesquisa foram as entrevistas feitas com jornalistas e acadêmicos que vivem no meio do jornalismo literário, que trabalharam com a linguagem ou que de certa forma, fizeram estudos sobre o estilo. Através dessas entrevistas, ficou mais fácil visualizar o que vem a ser jornalismo gonzo e o por quê de, no meio acadêmico a linguagem ser pouco discutida. Os entrevistados foram os jornalistas,André Julião, André Felipe Pontes Czarnobai, Felipe Pena, Alexandre Petillo e Gustavo Abdel Massih.


Como a entrevista com certeza teria que estar inserida nesta monografia, num primeiro momento, preferimos trazê-la com André Felipe Pontes Czarnobai , um dos maiores, ou se não, o maior divulgador do jornalismo gonzo no Brasil. Este autor (e adepto assumido) inspira a maioria dos trabalhos que tratam do tema. Além de Cardoso que é um profundo conhecedor dessa linguagem, procuramos entender a visão que o meio acadêmico tem sobre o assunto. Para isso, num segundo momento, foram feitas entrevistas com Felipe Pena, autor do livro Jornalismo Literário, lançado em 2005, e Gustavo Abdel Massih, pós-graduado pela Associação Brasileira de Jornalismo Literário, com a dissertação, “Arthur Veríssimo: um filho único do Jornalismo Gonzo brasileiro”.


Eles explicam que para o meio acadêmico o jornalismo gonzo não é levado a sério. Principalmente, para Felipe Pena que acredita que a causa para a não divulgação dessa linguagem seja o preconceito. Já, para Gustavo Abdel, o gonzo não precisa de uma divulgação, “as pessoas que devem ir atrás dele”. (Entrevista com Gustavo Abdel)


Além desses três jornalistas, também foram entrevistados, André Julião, que se graduou em jornalismo e como trabalho de conclusão escreveu um livro sobre o jornalismo gonzo, de título, “Jornalismo o quê?”. A idéia do título faz referência à reação mais comum das pessoas (aqui incluímos também jornalistas) quando dizemos Jornalismo Gonzo; a resposta espontânea: “jornalismo o quê?”. E, ainda, outro entrevistado foi Alexandre Petillo, um dos criadores da revista Zero. Petillo nos fala que o gonzo pode ser usado em todos os tipos de formato, como TV, cinema, internet, apenas precisa ser utilizado de forma correta.


É importante ressaltar que o intuito das entrevistas foi mostrar o que jornalistas e acadêmicos que conhecem a linguagem, pensam do tema. E particularmente, o motivo para não ser conhecida, principalmente no meio acadêmico.

3.2. O fator talento.


É importante ressaltar que para compor esse capítulo, foram desenvolvidas entrevistas com jornalistas e acadêmicos que conhecem a linguagem do jornalismo gonzo. E que em algum momento, a mesma pergunta foi feita para todos os entrevistados, a questão chave foi, “Qual o empecilho ou causa, que faz com que o jornalismo gonzo, não seja divulgado?”. Para essa pergunta, a resposta unânime foi, o que mais dificulta, é a falta de talento.


Alguns descrevem ainda que a causa da não divulgação do gonzo, é o alto grau de desconhecimento entre alunos e profissionais. E, indo mais além, conforme André Julião adverte que muitos que sabem o que é, não sabem fazê-lo. Cardoso é da mesma opinião. Para ele, o principal problema é a falta de talento. Por trás do jornalismo gonzo, existe todas as características pra se montar a reportagem, mas é o talento de quem pratica, que é levado a sério. Cardoso ressalta ainda mais, dizendo que não dá para exigir que todo jornalista seja um bom gonzo jornalista. Ele também explica que não conseguiu deixar claro em sua monografia que a grande importância do gonzo não são suas características ousadas e marcantes, mas sim o talento. “A grande verdade é que só se faz gonzo jornalismo com um escritor extremamente talentoso e, sobretudo, carismático. Sem isso, nada de importante pode ser produzido”.
Outro que também acredita que a falta de talento seja o principal empecilho para que o gonzo não seja conhecido é Gustavo Abdel Massih. O jornalista pós-graduado em jornalismo literário é da seguinte opinião:


O jornalismo gonzo é pouco divulgado por que, desculpe a expressão, falta coragem em desempenhar tal vertente. Mas acima da coragem, falta talento para isso. E além de talento, falta conhecimento sobre gonzo. Enfim, a academia, como sempre digo é "o feijão com arroz preparado por máquinas", ou seja, o trivial para que você saia técnico em jornalismo.(Entrevista com gustavo Abdel)


Essa constante de respostas sobre a falta de talento é visível na maioria das entrevistas. E ela sempre está relacionada com o pouco conhecimento que impera no jornalismo gonzo. O estilo não é uma novidade inventada há pouco tempo, existe a pelo menos quarenta anos, e mesmo assim, ainda é uma linguagem desconhecida. Não sendo esse um dos motivos para seu desconhecimento.

3.3. A dificuldade de encontrar referências.


São poucas as referências bibliográficas encontradas tanto sobre o jornalismo literário e quanto jornalismo gonzo, isso em livros e também na internet. Baseando-se em projetos acadêmicos, os mais conhecidos, ou de maior expressão, são as monografias de Cecília Giannetti, pela UFRJ, e Cardoso, pela UFRGS. Além deles, outra fonte sobre jornalismo literário no Brasil é o site do Texto Vivo. Esse site é mantido pelos professores Celso Falaschi, Edvaldo Pereira Lima e Sérgio Vilas Boas.


Além dessas referências, é difícil encontrar bibliografias que aprofundem de maneira acadêmica o tema. Essa dificuldade em embasar o trabalho foi uma das motivações que levou André Julião a escrever seu livro. A idéia de Felipe Pena é inovar sempre, nunca ficar no comum, assim fica mais fácil de se aprofundar na pesquisa.

A experiência de Cardoso para montar sua pesquisa também sofreu alguns empecilhos.
"O objetivo da minha monografia era demonstrar que o gonzojornalismo era um GÊNERO jornalístico que merecia diferenciação do NEW JOURNALISM. Mas para fazer isso, eu não podia recorrer a uma bibliografia acadêmica sobre o gonzo, porque isso simplesmente não existia. Então tive que montar toda uma argumentação a partir da comparação entre o New Journalismo e a trajetória profissional (e pessoal, já que no gonzo essas duas idéias se mesclam) de Hunter S. Thompson, o pai do estilo. Não foi nada fácil e, quase quatro anos depois, pelo que escuto de outros estudantes que pretendem concluir seus cursos com trabalhos sobre o gonzo, parece que a situação continua igual". (Entrevista com Cardoso).

Atualmente, livros como Jornalismo Literário, lançado em 2005, de Felipe Pena, ajudam a basear as referências, mas com noções superficiais do tema, principalmente do jornalismo gonzo.
De um tempo para cá, o crescimento de trabalhos acadêmicos vêm aumentando. Mesmo assim a idéia de aumentar não quer dizer que todos os campos do gonzo jornalismo tenham sidos explorados. E os estudantes que pesquisam essa linguagem não se aventuram na idéia, ressalta Cardoso. Mesmo assim a idéia “Eu não vejo ninguém tentar, e isso me deixa com ainda menos esperanças para o futuro do jornalismo brasileiro”. (Entrevista Cardoso).


3.4. Jornalismo Gonzo também tem técnica.


A partir das entrevistas prontas que podem ser lidas na íntegra no apêndice desta pesquisa, podemos notar que de certa forma, a linguagem do jornalismo gonzo exige do jornalista uma técnica. Quando suas características não são praticadas, a linguagem deixa de ser gonzo. “Jornalismo gonzo consiste no envolvimento profundo e pessoal do autor no processo da elaboração da matéria”. (PENA, 2005, p.57). Essa é uma das principais características do gonzo journalism. Como ressalta André Julião, não adianta escrever apenas em primeira pessoa, isso não é jornalismo gonzo. É necessário usar todos os “mandamentos”:


O Jornalismo Gonzo consiste no envolvimento profundo e pessoal do autor no processo da elaboração da matéria. Não se procura um personagem para a história; o autor é o próprio personagem. Tudo que for narrado é a partir da visão do jornalista. Irreverência, sarcasmo, exageros e opinião também são características do Jornalismo Gonzo. Na verdade, a principal característica dessa vertente é escancarar a questão impossível isenção jornalística tanto cobrada, elogiada e sonhada pelos manuais de redação. (PENA, 2005, p. 57)


É interessante ver que, um estilo que é chamado de radical, ou bastardo do new journalism, necessita de regras para ser praticado e quando suas regras não são estritamente seguidas, a linguagem não é gonzo. Não é intrigante que uma linguagem que presa pelo radical e pela liberdade, precise de regras para se tornar algo diferente?


Beatriz Caetana
graduanda em Jornalismo
msn: biacramos@hotmail.com

por Beatriz Caetana - Cruzeiro

4.1 Meios e formatos de uma linguagem pouco conhecida
4.1.1. O meio acadêmico com o Jornalismo Gonzo.



Uma das questões deste trabalho é descobrir o motivo pelo qual a linguagem do Jornalismo Gonzo é pouco conhecida e aprofundada no meio acadêmico. Para esse motivo, primeiro temos que situar o contexto em que este está. No caso do Gonzo, como entende Felipe Pena, é um subgênero do Jornalismo Literário, que para alguns autores “é o estudo de obras literárias veiculadas em jornais". (Pena, 2005, p.21)

A partir de então é possível entender a falta de interesse do gonzo no meio acadêmico. Primeiramente, nem sempre o que é literário pode se tornar ciência, está aí a primeira premissa. Essa idéia do que é literário, como explicam René Wellek e Austin Warren, se não é exatamente uma ciência, é uma espécie de conhecimento ou saber. Esse argumento está inserido no livro de leitura e crítica, Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários, Outros teóricos extraem do nosso contraste entre a literatura e o seu estudo conclusões céticas bem diferentes: a literatura, argumentam, não pode ser ‘estudada’. Só podemos lê-la, usufruí-la, aprecia-la. Do resto, só o que podemos fazer é acumular informações ‘sobre’ a literatura. Tal ceticismo , na verdade, é muito mais difundido do que poderíamos imaginar. (WELLEK, WARREN, 2003, p.4)

Mesmo se tratando da literatura e dos estudos literários, o livro abrange todo o contexto das duas fases, principalmente, os dos gêneros literários. Os autores esclarecem que devemos traduzir a experiência da literatura em termos intelectuais, “assimilá-la a um esquema coerente que tem de ser racional para ser conhecimento” (idem op.cit) Pois quando estudamos um movimento, tentamos entender sua peculiaridade diante de algum fenômeno ou problema, então estaremos estudando de forma individualizada. Esta forma consegue ser sustentada, já que “as tentativas de encontrar leis gerais na literatura sempre fracassam” (WELLEK, WARREN, 2003, p.7). Partindo desse pressuposto, entendemos a falta de interesse de tudo que está relacionado com ações do literário e da literatura.

Em uma entrevista cedida pelo professor de pós-graduação Felipe Pena por e-mail, perguntado sobre o porquê do jornalismo gonzo não ser divulgado no meio acadêmico, ele respondeu dizendo ser preconceito, pois a literatura não tem pretensão de ser ciência. Como se isso determinasse sua importância. “É uma besteira. A literatura, por exemplo, não é ciência, mas é muito importante e deve ser pesquisada” .Wellek e Warren, concordam que o estudo da literatura também deve ser pesquisado. Pode ser verdade que a matéria deste estudo seja irracional ou que, pelo menos, contenha elementos fortemente irracionais, mas nem por isso ele estará numa posição diferente que a do historiador da pintura, do musicólogo ou mesmo do sociólogo ou do anatomista. (WELLEK, WARREN. 2005, p.3)

Eles entendem que, mesmo não tratada de forma concreta e científica a literatura e estudos literários devem ser pesquisados com o mesmo aprofundamento e dedicação que qualquer outra forma de estudo, se for possível criando novo sistema para elas. “(...) é possível com os métodos desenvolvidos pelas ciências naturais, que só precisam ser transferidos para o estudo literário”.

O importante e unânime é ressaltar que todos os professores e jornalistas entrevistados para compor esta monografia, como foi citado no primeiro capítulo, quando perguntado qual seria o empecilho para o gonzo não ser conhecido, responderam que o maior problema do Jornalismo Gonzo é a falta de talento das pessoas que o escrevem, pois não é fácil escrever essa linguagem. A maioria não consegue se aprofundar na matéria, tão pouco tirar todas as informações necessárias para compô-la. Outro problema é a falta de ousadia, marca do gonzo, sendo ela escassa faz com que a procura por esse tema seja pequena.

Acho que o principal problema é a falta de TALENTO. O maior erro do meu trabalho, na verdade, foi não ter falado, de uma forma mais clara, que o grande lance por trás do gonzo jornalismo não é a captação participativa ou o uso da ironia, das técnicas ficcionais e da primeira pessoa na redação. É o TALENTO de quem pratica. Não dá pra exigir que TODO jornalista seja um bom GONZO JORNALISTA. A grande verdade é que só se faz gonzo jornalismo com um escritor extremamente talentoso e, sobretudo, CARISMÁTICO. Sem isso, nada de importante pode ser produzido. (Entrevista com Cardoso).

Cursos de graduação no meio literário são raros. Em 2004, a ABJL (Academia Brasileira de Jornalismo Literário), tendo a frente Edvaldo Pereira Lima, Celso Falaschi e Sergio Villas Boas, iniciou o curso de pós-graduação em jornalismo literário. No momento o único curso de graduação que apresenta essa vertente literária. Um dos alunos desse curso, o jornalista Gustavo Abdel Massih, concluiu o curso com a dissertação sobre Arthur Veríssimo: Um filho único do jornalismo gonzo brasileiro. Para ele, o gonzo não precisa ser lembrado. E também concorda na idéia que o desconhecimento do gonzo é dado à falta de talento e da coragem de exercê-lo.

A maioria dos entrevistados, quando perguntados sobre a falta de pesquisa aprofundada do jornalismo gonzo no meio acadêmico, explicam que nem sempre é interessante para o meio acadêmico divulgar algo literário, como responde Felipe Pena, ou a grande questão seja a simples falta de talento para desempenhar e pesquisar tal vertente, não adiantando ter somente a intenção de escrever se não houver o principal, o talento.


4.2. Revista Zero, Gonzo e entretenimento que duraram pouco.

Depois que a revista Bizz acabou, os leitores desse estilo ficaram “órfãos”, foi nesse momento que entrou a Revista Zero, encabeçados pelos jornalistas Alexandre Petillo, Marcelo Silva Costa, Luiz César Pimentel Rodrigo, Abonico R.Smith, com projeto gráfico de Daniel Motta. E um tempo depois, com a entrada de Marco Bezzi. A intenção de montar essa revista era pegar o público deixado pela Bizz e fazer reportagens de jornalismo literário, também no estilo gonzo. Como diz Alexandre Petillo, “várias pessoas procuraram esse tipo de jornalismo, teve um crescimento, uma popularizada”. (Entrevista com Alexandre Petillo)

A revista Zero começou em fevereiro de 2002 e durou até 2004, com muito esforço dos jornalistas que trabalhavam nela. Mesmo com Editoras como a Abril e a Lester Bangs dando apoio editorial, o retorno que eles tinham com a venda das revistas não valia a pena.


"A gente entregava, eles imprimiam. Faziam a divulgação e todo esse trabalho técnico. Se vendesse todos exemplares ou nenhum, a gente não recebia. A gente ganhava o que a gente vendesse de publicidade. O que era meio complicado. Éramos jornalistas e não publicitários, não sabíamos nada sobre rendimento de mídia, a gente até tentou, mas esses grandes anunciantes, conseguíamos com a gravadora., mas não tinha muita verba de anuncio". [sic] (Entrevista com Alexandre Petillo)

O dinheiro todo que eles tinham, como ressalta Petillo, era para pagar o “jabá”. E colocar os artistas para tocar na rádio. “Eles não chegavam a pagar uma verba pelo anúncio, davam em CD, a gente vendia esses CDs nas lojas, que era mais uma grana que entrava”. Pelo fato de não ter uma renda mais sólida, tendo redação para pagar, simplesmente não deu para continuar, ficou inviável e o tempo da revista durou pouco. “Mesmo com a Bizz e a Abril por trás. A gente tinha a Editora Lester Bangs, ela acabou também”.

Diferente de outras revistas de puro entretenimento, a Zero era uma das poucas a publicar reportagens no estilo gonzo. No momento, a Rolling Stone e a Trip, com matérias do Arthur Veríssimo, utilizam dessa linguagem no seu meio editorial, por ter abertura e mercado para isso.

Por exemplo, hoje aonde você vai publicar uma revista que tenha esse perfil? Mesmo que você não faça essa coisa tão maluca de experimentar drogas, não tem muito aonde você escrever. Tem a Rolling Stone, ela até tem uma pegada dessa. Não tem muita abertura, na Folha de S. Paulo você não vai escrever assim. No Estadão também, que é super conservador. Não tem revista que permita isso. Eu acho complicado hoje, além da Trip. (Entrevista , p.70.).


No ano de 2003, no mês de janeiro, dia 25, aniversário de São Paulo, a Zero publicou um especial sobre drogas. Estavam na pauta, os repórteres, Bruno Torturra Nogueira, junto com Gregório Sambuca e Leon (sem sobrenome, nome fictício). Os jornalistas passaram vinte e quatro horas no centro de São Paulo, usando drogas (quatro ácidos na cabeça). A outra matéria era sobre o mito Elvis Presley, o repórter Chris Simunek, editor de cultivo da Revista High Time, viajou para Graceland, Estados Unidos, com a mala cheia de “ácido”, para recontar tudo sobre Elvis Presley. Essas matérias foram exemplos de jornalismo gonzo, porém da maneira de Hunter Thompson, de se entorpecer de drogas para compor a reportagem. Alexandre Petillo explica que na fase da revista Zero, o uso da linguagem gonzo era uma opção dos jornalistas por todos se identificarem com o formato. Porém, a idéia do uso de drogas na composição e captação da informação não precisava ser semelhante a de Thompson.

"Tem essa, muito por causa do Hunter Thompson, existe essa coisa de que tem de ser “doideira” sempre, mas não necessariamente, não precisa ser, é que é complicado. Na revista, houve um especial de drogas, era pauta. Tem essa característica do Hunter Thompson, de apanhar, levar umas porradas. Não necessariamente precisa ser sempre assim". [sic] (Entrevista Alexandre Petillo)

A Revista Zero ainda mantém um público muito sólido na internet, em comunidades no site de relacionamento, Orkut. A Revista Mosh, que também acabou, tinha em suas edições, voltada para o público jovem, também linguagem literária. Hoje no Brasil a revista, Piauí e a Trip apresentam e escrevem em uma versão do jornalismo literário e de entretenimento, com um formato mais especializado para o seu público.

4.3. Jornalismo Gonzo se multiplica nos blogs


O verbete “gonzo” digitado no site de busca Google, é o começo para entender como essa linguagem é bastante conhecida no meio virtual, junto da imagem de Hunter Thompson e seus conceitos jornalísticos. Os blogs viraram “mania” entre os jovens e para aqueles que querem produzir seu próprio conteúdo de informação. Sem limites de edição e publicação, histórias são lançadas na internet, agregando novas formas de informação midiática, como vídeos, links e hiperlinks.

A linguagem do jornalismo gonzo é usada com muita simpatia entre os blogueiros que a conhecem, mesmo sem seguir a linguagem correta do jornalismo gonzo, eles se divertem contando fatos, às vezes bizarros. Páginas como do jornalista curitibano André Pugliesi, do portal http://www.jornalistademerda.org/.

Ele e seu fiel escudeiro, Rodrigo Abud, fazem relatos pitorescos de lugares inusitados. Exemplos: visitinhas a um cine pornô, a um baile de velhinhos solteiros, a um clube de swing e a uma luta de boxe trash amadora.(PENA, 2005, p.59).

O site do Cardoso tem como parte do conteúdo sua monografia, também uma boa fonte para aqueles que procuram referências bibliográficas e indicações mais acadêmicas e sérias sobre o tema. Cardoso é uma das poucas e primeiras referências no Brasil que entende sobre assunto.

Comunidades a respeito do Jornalismo Gonzo, Jornalismo Literário e de Hunter Thompson, podem ser encontradas no site de relacionamento Orkut, são bons exemplos que nesse meio virtual a linguagem é bem conhecida, sendo fonte de referência bibliográfica, como utilizou Felipe Pena, no livro Jornalismo Literário. Pena dá exemplos dos comentários feitos nos blogs dessas comunidades para pergunta, “o que é Jornalismo Gonzo”:

Humor ácido e espontâneo, que poupa nem a si mesmo. As questões sociais levantadas (as críticas de Chris Simunek sobre o seu futuro profissional como “professor substituto” são ótimas). O poder descritivo (Thompson descreve muito bem os Hell’s Angels). A “captação participativa”, que é quando o repórter deixa de ser espectador e participa dos fatos. (PENA, 2005, p. 58)

A internet tenta agregar todo tipo de informação e entretenimento que prenda o internauta. No caso do gonzo, muito dos blogs procurados sobre o assunto, são publicações de monografias ou parte desse registro.

.4. Filme com pegada Gonzo
Super Size Me, A Dieta do Palhaço

Fazer parte da matéria, recontar o acontecimento em primeira pessoa, ter conteúdo jornalístico, e aprofundar na informação. São essas algumas das principais características do Jornalismo Gonzo. Em um formato visual, o filme documentário de Morgan Spurlock, Super Size Me, através dessas características pode ser exemplo de uma linguagem do jornalismo gonzo. O filme conta os trinta dias em que Morgan tomou café da manhã, almoçou e jantou hambúrgueres da rede de lanchonete mais conhecida do mundo, Mc Donald’s, além de aceitar todos os Super Size, os hambúrgueres de tamanhos Super, que as atendentes ofereciam.

O documentário já é por si próprio, um gênero usado como forma de expressão da sociedade ou registro de algum acontecimento. Como o Gonzo, o documentário se aprofunda na informação, oferece uma visão interpretativa do fato. Se fizermos um paralelo entre o gênero documentário e o estilo de linguagem do Gonzo, podemos encontrar as seguintes combinações: mostra a realidade de uma maneira mais ampla e interpretativa, poucas bibliografias específicas e linguagem mais aprofundada.

O documentário tem como trabalho registrar, em particular, esse filme de Morgan, além de registrar o fato de que a maioria da população americana é obesa. Ele participa comendo todos os dias no Mc Donald’s, em estados diferentes dos Estados unidos, para transmitir e informar à todos. Esse retrato da nação americana é bem mostrado no decorrer do filme, dando a entender o tamanho do problema dessa sociedade que acha normal que seus cidadãos sejam obesos. Quando essa realidade muda de caminho, quando uma pessoa obesa emagrece é tratado como um herói, “temos que ver o que há de errado na nossa sociedade quando isso torna-se um efeito heróico”.(Morgan Spurlock, 2004). Morgan Spurlock que foi produtor e redator, além de ator do filme, diz isso quando faz o comentário do filme pronto, ao lado de sua namorada.

Super Size me é um exemplo de que a linguagem do jornalismo gonzo pode ser adaptada em diferentes formatos. Pois em vários momentos o diretor, personagem principal do documentário, descreve suas sensações por comer demais e passar mal, começar a ficar deprimido e conseguir ficar alegre apenas no momento em que volta a comer, ter palpitações no coração e ficar apavorado por isso, engordar, por sua perda de apetite sexual, esse fato detalhado por sua namorada vegetariana. Morgan consegue documentar o hábito alimentar desses americanos, principalmente, dos adolescentes que pouco se preocupam com a alimentação. Poucas são as escolas que usam em sua dieta produtos saudáveis para esses jovens, aumentando mais a cultura das junk food [1].

Morgan ganhou o prêmio de melhor documentário no festival de Sundance em 2004, mostrando e aprofundando um dos piores problemas americano e como o comodismo e a propaganda envolvem desde crianças até adultos. De uma maneira aprofundada, engraçada e de fácil entendimento, Super Size Me, é um bom exemplo de linguagem gonzo no meio cinematográfico.









[1] Comida de pouco valor nutritivo.


Beatriz Caetana
graduanda em Jornalismo
msn: biacramos@hotmail.com