domingo, 2 de dezembro de 2007



por Beatriz Caetana - Cruzeiro

2.1. O criador do filho bastardo do New Journalism - Hunter S. Thompson



Descrito por Edvaldo Pereira Lima como um “obscuro jornalista da Califórnia”, Hunter Stockson Thompson, criador do Jornalismo Gonzo, morreu no dia 20 de fevereiro de 2005, um domingo, do jeito mais gonzo que um repórter poderia morrer: suicídio. Algumas pessoas dizem que Hunter Thompson se matou por estar com uma doença grave, preferindo o suicídio a algum outro tipo de tratamento duradouro ou penoso. Seu corpo foi encontrado pela mulher e o filho, em sua residência. Thompson deu um tiro no ouvido enquanto falava com a mulher ao telefone, para ele já não havia muito o que fazer. Apaixonado por armas de fogo, nos últimos dias de sua vida, Thompson trabalhou para o website da televisão ESPN, em uma coluna especial. Morava em sua propriedade no Colorado, a Owl Farm e caçava ursos por diversão.



Nascido em Louisville, Kentucky, em 1939, Hunter Thompson veio de uma família de pais alcoólatras, era o típico garoto problema. Começou a beber aos quinze anos, mostrando traços de sua personalidade perturbada. Estudou em escola pública e serviu a Força Aérea, essa foi sua pena por praticar vandalismo, sendo lá o primeiro lugar que começou a escrever. Cobria a seção de esportes do jornal da Força Aérea na Florida e ao mesmo tempo escrevia para outros veículos da cidade. “Estudou jornalismo na Universidade Columbia de Nova York, era fã do escritor Ernest Hemingway, que também se matou, em 1961, com um tiro de fuzil, aos 63 anos”. (ABDEL, 2006)


Thompson começou a escrever para jornais e revistas, seu primeiro grande reconhecimento foi a matéria sobre a gangue de motoqueiros Hell’s Angels, nos dezoito meses que acompanhou a gangue levou uma surra e usou drogas. Thompson queria mostrar para a sociedade o que de fato era verdade sobre os Hell’s Angels. A partir daí começou a ser conhecido no meio literário. As matérias viraram livro “editado pela Random House em 1967 sob o título Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang e reeditado mais de 35 vezes”. (CZARNOBAI, 2003.). Esse ainda não era um exemplo de jornalismo gonzo, o livro Hell’s Angels ainda é considerado estilo do novo jornalismo.


Não demorou muito para Thompson mostrar o seu próprio estilo. Em uma entrevista feita para a revista Playboy, ele contou como foi criado o jornalismo gonzo. Ele tinha que entregar uma matéria à extinta revista de esportes Scanlan Monthly, o prazo final se aproximava, e ele não conseguia terminá-la. Sem saber o que fazer, e sem conseguir pensar mais na matéria, o jornalista começou a rasgar páginas de seu caderno de anotações, numerá-las e mandar para a impressão. “Eu estava certo de que aquele seria o último artigo que eu escrevia para qualquer lugar”. Ao contrário da reação esperada, a matéria teve um retorno grandioso dos leitores e foi chamada de “ponto de ruptura do jornalismo”. (Observatório da Imprensa)


O verbete gonzo tem vários significados, um deles é “dobradiça de porta ou janela”, (Minidicionário da Língua Portuguesa, 1993), já gonzoeaux quer dizer, “caminho iluminado”, que designa da gíria franco canadense, (CZARNOBAI, 2003.) ou ainda “palerma”, nome usado por Bill Cardoso, para nomear as matérias de seu amigo Thompson.


A partir de então Thompson se tornou conhecido no meio da contracultura, sendo respeitado por seus livros e artigos. Mas foi com Medo e Delírio em Las Vegas, que o estilo ficou conhecido de fato, publicado pela revista Rolling Stone, virou livro e depois, adaptado para o cinema. O jornalista em muitos dos seus livros personificava o alter ego, Rauol Duke, o lado que ele usava para cometer seus delitos, mas era ao mesmo tempo o lado verdadeiro de Hunter Thompson. A idéia do uso de drogas nas reportagens é uma característica dele, “seus textos descreviam a influência dos psicotrópicos na apuração da reportagem. Não era incomum usar o foco inicial apenas como pretexto para descrever suas aventuras”. (RUSSO, 2007.) O uso da mescaline e do LSD são descritos detalhadamente nos livros, Medo Delírio em Las Vegas e ScrewJack. Muitos dos seus artigos ainda não foram publicados em português, principalmente os com o pseudônimo Raoul Duke.


Thompson sempre escreveu com humor, sarcasmo, entrando em várias enrascadas, nunca deixou de ser o jornalista brilhante. Através do seu próprio invento, o Jornalismo Gonzo, pôde mostrar um jornalismo literário, investigativo e narrativo de uma maneira que ele fosse o ator principal, recontasse todos os pontos pertinentes da apuração da matéria. Tudo isso o tornava único, diante do jornalismo. Na revista época, uma matéria sobre sua memória, termina da seguinte forma: Hunter Stockson Thompson, Jornalista era uma usina de extravagâncias.

2.1.1. O pequeno Hunter S. Thompson


Ele já era uma criança diferente. Sua mãe costumava dizer que Hunter havia nascido igual a uma coruja, por não dormir no mesmo horário que seus irmãos. A revista Rolling Stone, publicou no mês de outubro de 2007, a história do jornalista antes do Gonzo, desde a infância em Louisville, até os tempos de Medo e Delírio em Las Vegas.


Hunter foi criado no bairro Highlands, em Loiusville, kentucky, “era um bairro onde as pessoas se sentavam na varanda conversavam com quem passava na rua”. (WENNER, 2007.). Desde pequeno o garoto Hunter era muito carismático, sempre com crianças na porta da sua casa o esperando para brincar, alguns pais não gostavam que seus filhos brincassem com ele, achavam que era encrenqueiro. Um de seus amigos de infância Neville Blakemore, era um que o pai não gostava de ver na companhia de Hunter. Todas as crianças gostavam de ir pra casa dele e brincar de guerra, com armas de papelão faziam batalhas pelo bairro inteiro. Ás vezes, ficavam atirando nos afro-americanos que tinham perto do riacho Bear Grass, era o começo das “minicorridas” raciais.

As crianças iam ao parque jogar futebol americano, iam ao cinema, e na biblioteca para ler, “íamos a tudo que era lugar”, lembra Gerald Tyrrel, que também foi criado perto do bairro de Hunter. Os garotos adoravam esportes, mas para decepção de Hunter, seu tamanho não o deixava ser favorável no esporte, no primeiro ano do ensino médio, ainda era pequeno perto dos outros garotos, foi crescer apenas no segundo ano. Cresceu no máximo dez centímetros. Como o mundo dos esportes não o favoreceu, ele começou a gastar energia com outras coisas, como bebida, cigarro e vida social.


Nessa época, o pai de Hunter, que era muito severo com ele, morreu, perto das férias de verão. Sua mãe começou a beber, ele também bebia, mas não gostava de ver sua mãe naquela condição.


Hunter apareceu na porta da minha casa e passou horas lá sentado, sem falar muita coisa. Uma das cenas mais solitárias que vi foi ele se afastando da minha varanda para pegar o ônibus na noite em que o pai dele morreu. Estava escuro e a luz da rua estava acesa. Ele não era aberto emocionalmente, mas eu segurei a mão dele. (WENNER, 2007.).


Esses eram os poucos momentos em que Hunter mostrava-se como era realmente. Em Loiusville, existia a chamada sociedade literária, Hunter e seu amigo Porter Bibb, faziam parte. Encontravam-se na Associação Literária Athenaeum, todo sábado à noite, vestidos socialmente de terno e gravata. Depois da reunião eles saiam para beber. A partir daí ele começou a escrever livros de Fitzgerald e Hemingwey, suas inspirações literárias. Escrevia os textos novamente, dizia que gostava de sentir qual era a sensação de escrever tais palavras, depois guardava as cópias de tudo que escrevia. Como na época não havia o xérox, copiava tudo em papel carbono. Seus amigos já o achavam diferente do resto dos meninos. O garoto era talentoso, se divertia com teatro de rua.


Nós fazíamos coisas tipo teatro de rua, (...) – como o falso seqüestro na frente do cinema Bard. O seqüestro estava a par da brincadeira. Nós simplesmente o tiramos da fila da bilheteria, enfiamos o sujeito em um carro e fomos embora. Ele gritava e resistia, é claro. Naquela época, não tinha nada a ver com gonzo, nem com jornalismo, nem com escrever. Era como enfiar o dedo no olho do sistema – mas com um certo humor e uma certa dose de bravata. Quer dizer, estávamos em 53,54. Nós nos sentíamos restringidos ou reprimidos de algumas maneira, e estávamos tentando explodir para fora daquilo. (WENNER, 2007.).



Com seu jeito carismático, era sociável com todos os tipos de pessoas, tanto na classe social baixa, quanto com os milionários. Freqüentava festas bacanas e andava com seus amigos delinqüentes juvenis . Hunter ganhou o prêmio em terceiro lugar de um ensaio que escreveu para o Athenaeum Spectator, com o título, Carta aberta aos jovens da nossa nação. O texto começava da seguinte maneira:

Jovens dos Estados Unidos, despertem de seu sono de indolência e atendam ao chamado do futuro! Será que percebem que estão se transformando em uma geração condenada? (WENNER, 2007.).


Com medo de qualquer crítica assinou com nome de John J. Righteous-Hypocrite (Hipócrita-Certinho).


Hunter Thompson nem tinha completado o segundo grau e já era um perfeito bad boy, cometia assaltos, andava armado, bêbado, e deixava contas de hotel sem pagar, um hábito que durou por muitos anos. No colégio, existia a turma que gostava e a que não gostava dele. Acabou sendo expulso pelos os que não gostavam. Um dia entrou em um carro com um sujeito, que assaltou outro carro. Foi preso, como já tinha passagem pela polícia, sem responsável para ajudá-lo, seu pai estava morto e sua mãe muito sem condições para ajudá-lo, “ele recebeu um ultimato: ou ia para cadeia ou servia o exército, escolheu a Força Aérea”. Na Força Aérea, melhorou seu texto e tentou ser disciplinado, mas só tentou. Depois de dispensado, Hunter pulou de cidade em cidade, como Porto Rico, Nova York e Rio de Janeiro. Fez novos amigos, entrou para Universidade de Columbia, escreveu em novos jornais e seus textos começaram a ser reconhecidos.


Para Hunter foi uma inovação na carreira e em seu estilo de vida, (...) Ele ia a qualquer lugar e escrevia qualquer coisa que o emocionasse, à sua própria maneira. Os textos passavam por edição pesada, mas isso serviu para estabelecer o nome dele, de maneira modesta, e ele conseguiu se destacar por meio dos assuntos que cobria e de sua atitude. (WENNER, 2007.).


O menino cresceu e começou a fazer parte do mundo literário americano. Com um dom que poucos escritores e jornalistas tinham, o garoto de Louisville trilhou o caminho daquilo que achava melhor para as pessoas. Ele inventou um novo caminho, o gonzo.

2.2. Arthur Veríssimo, Jornalista Gonzo brasileiro


Arthur Veríssimo, o único jornalista gonzo brasileiro, como afirma o jornalista pós-graduado em Jornalismo Literário, Gustavo Abdel Masih em sua dissertação. Sempre foi uma pessoa diferente, o provável nunca foi opção para ele.


Veríssimo não é apenas um jornalista, mas um notável jornalista gonzo. O único repórter brasileiro, de acordo com pesquisas do meio acadêmico, em atividade que escreve nessa linha. Ele não apresenta só essa linguagem parecida com Hunter Thompson, os dois exibem um histórico de drogas em suas vidas.

Mas como um filho pródigo, Veríssimo mudou o rumo de sua vida, diferente de Thompson, ele conheceu a vida zen, e se encontrou nos fundamentos da vida budista. “Pra mim foi o advento, modificou minha vida. Abriu. Fui descobrir o que era zen, os fundamentos do orientalismo, quem era Mahatma Gandhi. Blavatsky, Aurobindo, todos esses nomes”. (RODRIGUES, 2006). Há mais de dez anos “na luz”, Veríssimo foi 15 vezes para Índia. Esteve presente no começa das raves no Brasil, no estilo do acid music. Foi um dos primeiros DJ a aparecer em São Paulo, na época da casa noturna Carbono 14. Viaja para Europa e voltava ao Brasil cheio de novidades do cenário musical. Nesse meio termo conheceu Paulo Lima, que estava lançando a revista Trip.


"O Paulo era amigo do Castilho, fazia os eventos de surf do Carbono e precisava de alguém pra fazer o som durante a projeção de um filme. Eu estava sentado no meio-fio, depois de uma ressaca de balada, e o Paulo me chamou. Começou então nossa pareceria, nossa amizade". (RODRIGUES, 2006)


Desde então, com dezoito anos de trabalho na Trip, Veríssimo é conhecido por suas matérias ousadas, em lugares paradisíacos em busca do auto-conhecimento. Eis o único jornalista gonzo de profissão no Brasil.



Beatriz Caetana
graduanda em Jornalismo
msn: biacramos@hotmail.com

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