domingo, 2 de dezembro de 2007

por Beatriz Caetana - Cruzeiro

4.1 Meios e formatos de uma linguagem pouco conhecida
4.1.1. O meio acadêmico com o Jornalismo Gonzo.



Uma das questões deste trabalho é descobrir o motivo pelo qual a linguagem do Jornalismo Gonzo é pouco conhecida e aprofundada no meio acadêmico. Para esse motivo, primeiro temos que situar o contexto em que este está. No caso do Gonzo, como entende Felipe Pena, é um subgênero do Jornalismo Literário, que para alguns autores “é o estudo de obras literárias veiculadas em jornais". (Pena, 2005, p.21)

A partir de então é possível entender a falta de interesse do gonzo no meio acadêmico. Primeiramente, nem sempre o que é literário pode se tornar ciência, está aí a primeira premissa. Essa idéia do que é literário, como explicam René Wellek e Austin Warren, se não é exatamente uma ciência, é uma espécie de conhecimento ou saber. Esse argumento está inserido no livro de leitura e crítica, Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários, Outros teóricos extraem do nosso contraste entre a literatura e o seu estudo conclusões céticas bem diferentes: a literatura, argumentam, não pode ser ‘estudada’. Só podemos lê-la, usufruí-la, aprecia-la. Do resto, só o que podemos fazer é acumular informações ‘sobre’ a literatura. Tal ceticismo , na verdade, é muito mais difundido do que poderíamos imaginar. (WELLEK, WARREN, 2003, p.4)

Mesmo se tratando da literatura e dos estudos literários, o livro abrange todo o contexto das duas fases, principalmente, os dos gêneros literários. Os autores esclarecem que devemos traduzir a experiência da literatura em termos intelectuais, “assimilá-la a um esquema coerente que tem de ser racional para ser conhecimento” (idem op.cit) Pois quando estudamos um movimento, tentamos entender sua peculiaridade diante de algum fenômeno ou problema, então estaremos estudando de forma individualizada. Esta forma consegue ser sustentada, já que “as tentativas de encontrar leis gerais na literatura sempre fracassam” (WELLEK, WARREN, 2003, p.7). Partindo desse pressuposto, entendemos a falta de interesse de tudo que está relacionado com ações do literário e da literatura.

Em uma entrevista cedida pelo professor de pós-graduação Felipe Pena por e-mail, perguntado sobre o porquê do jornalismo gonzo não ser divulgado no meio acadêmico, ele respondeu dizendo ser preconceito, pois a literatura não tem pretensão de ser ciência. Como se isso determinasse sua importância. “É uma besteira. A literatura, por exemplo, não é ciência, mas é muito importante e deve ser pesquisada” .Wellek e Warren, concordam que o estudo da literatura também deve ser pesquisado. Pode ser verdade que a matéria deste estudo seja irracional ou que, pelo menos, contenha elementos fortemente irracionais, mas nem por isso ele estará numa posição diferente que a do historiador da pintura, do musicólogo ou mesmo do sociólogo ou do anatomista. (WELLEK, WARREN. 2005, p.3)

Eles entendem que, mesmo não tratada de forma concreta e científica a literatura e estudos literários devem ser pesquisados com o mesmo aprofundamento e dedicação que qualquer outra forma de estudo, se for possível criando novo sistema para elas. “(...) é possível com os métodos desenvolvidos pelas ciências naturais, que só precisam ser transferidos para o estudo literário”.

O importante e unânime é ressaltar que todos os professores e jornalistas entrevistados para compor esta monografia, como foi citado no primeiro capítulo, quando perguntado qual seria o empecilho para o gonzo não ser conhecido, responderam que o maior problema do Jornalismo Gonzo é a falta de talento das pessoas que o escrevem, pois não é fácil escrever essa linguagem. A maioria não consegue se aprofundar na matéria, tão pouco tirar todas as informações necessárias para compô-la. Outro problema é a falta de ousadia, marca do gonzo, sendo ela escassa faz com que a procura por esse tema seja pequena.

Acho que o principal problema é a falta de TALENTO. O maior erro do meu trabalho, na verdade, foi não ter falado, de uma forma mais clara, que o grande lance por trás do gonzo jornalismo não é a captação participativa ou o uso da ironia, das técnicas ficcionais e da primeira pessoa na redação. É o TALENTO de quem pratica. Não dá pra exigir que TODO jornalista seja um bom GONZO JORNALISTA. A grande verdade é que só se faz gonzo jornalismo com um escritor extremamente talentoso e, sobretudo, CARISMÁTICO. Sem isso, nada de importante pode ser produzido. (Entrevista com Cardoso).

Cursos de graduação no meio literário são raros. Em 2004, a ABJL (Academia Brasileira de Jornalismo Literário), tendo a frente Edvaldo Pereira Lima, Celso Falaschi e Sergio Villas Boas, iniciou o curso de pós-graduação em jornalismo literário. No momento o único curso de graduação que apresenta essa vertente literária. Um dos alunos desse curso, o jornalista Gustavo Abdel Massih, concluiu o curso com a dissertação sobre Arthur Veríssimo: Um filho único do jornalismo gonzo brasileiro. Para ele, o gonzo não precisa ser lembrado. E também concorda na idéia que o desconhecimento do gonzo é dado à falta de talento e da coragem de exercê-lo.

A maioria dos entrevistados, quando perguntados sobre a falta de pesquisa aprofundada do jornalismo gonzo no meio acadêmico, explicam que nem sempre é interessante para o meio acadêmico divulgar algo literário, como responde Felipe Pena, ou a grande questão seja a simples falta de talento para desempenhar e pesquisar tal vertente, não adiantando ter somente a intenção de escrever se não houver o principal, o talento.


4.2. Revista Zero, Gonzo e entretenimento que duraram pouco.

Depois que a revista Bizz acabou, os leitores desse estilo ficaram “órfãos”, foi nesse momento que entrou a Revista Zero, encabeçados pelos jornalistas Alexandre Petillo, Marcelo Silva Costa, Luiz César Pimentel Rodrigo, Abonico R.Smith, com projeto gráfico de Daniel Motta. E um tempo depois, com a entrada de Marco Bezzi. A intenção de montar essa revista era pegar o público deixado pela Bizz e fazer reportagens de jornalismo literário, também no estilo gonzo. Como diz Alexandre Petillo, “várias pessoas procuraram esse tipo de jornalismo, teve um crescimento, uma popularizada”. (Entrevista com Alexandre Petillo)

A revista Zero começou em fevereiro de 2002 e durou até 2004, com muito esforço dos jornalistas que trabalhavam nela. Mesmo com Editoras como a Abril e a Lester Bangs dando apoio editorial, o retorno que eles tinham com a venda das revistas não valia a pena.


"A gente entregava, eles imprimiam. Faziam a divulgação e todo esse trabalho técnico. Se vendesse todos exemplares ou nenhum, a gente não recebia. A gente ganhava o que a gente vendesse de publicidade. O que era meio complicado. Éramos jornalistas e não publicitários, não sabíamos nada sobre rendimento de mídia, a gente até tentou, mas esses grandes anunciantes, conseguíamos com a gravadora., mas não tinha muita verba de anuncio". [sic] (Entrevista com Alexandre Petillo)

O dinheiro todo que eles tinham, como ressalta Petillo, era para pagar o “jabá”. E colocar os artistas para tocar na rádio. “Eles não chegavam a pagar uma verba pelo anúncio, davam em CD, a gente vendia esses CDs nas lojas, que era mais uma grana que entrava”. Pelo fato de não ter uma renda mais sólida, tendo redação para pagar, simplesmente não deu para continuar, ficou inviável e o tempo da revista durou pouco. “Mesmo com a Bizz e a Abril por trás. A gente tinha a Editora Lester Bangs, ela acabou também”.

Diferente de outras revistas de puro entretenimento, a Zero era uma das poucas a publicar reportagens no estilo gonzo. No momento, a Rolling Stone e a Trip, com matérias do Arthur Veríssimo, utilizam dessa linguagem no seu meio editorial, por ter abertura e mercado para isso.

Por exemplo, hoje aonde você vai publicar uma revista que tenha esse perfil? Mesmo que você não faça essa coisa tão maluca de experimentar drogas, não tem muito aonde você escrever. Tem a Rolling Stone, ela até tem uma pegada dessa. Não tem muita abertura, na Folha de S. Paulo você não vai escrever assim. No Estadão também, que é super conservador. Não tem revista que permita isso. Eu acho complicado hoje, além da Trip. (Entrevista , p.70.).


No ano de 2003, no mês de janeiro, dia 25, aniversário de São Paulo, a Zero publicou um especial sobre drogas. Estavam na pauta, os repórteres, Bruno Torturra Nogueira, junto com Gregório Sambuca e Leon (sem sobrenome, nome fictício). Os jornalistas passaram vinte e quatro horas no centro de São Paulo, usando drogas (quatro ácidos na cabeça). A outra matéria era sobre o mito Elvis Presley, o repórter Chris Simunek, editor de cultivo da Revista High Time, viajou para Graceland, Estados Unidos, com a mala cheia de “ácido”, para recontar tudo sobre Elvis Presley. Essas matérias foram exemplos de jornalismo gonzo, porém da maneira de Hunter Thompson, de se entorpecer de drogas para compor a reportagem. Alexandre Petillo explica que na fase da revista Zero, o uso da linguagem gonzo era uma opção dos jornalistas por todos se identificarem com o formato. Porém, a idéia do uso de drogas na composição e captação da informação não precisava ser semelhante a de Thompson.

"Tem essa, muito por causa do Hunter Thompson, existe essa coisa de que tem de ser “doideira” sempre, mas não necessariamente, não precisa ser, é que é complicado. Na revista, houve um especial de drogas, era pauta. Tem essa característica do Hunter Thompson, de apanhar, levar umas porradas. Não necessariamente precisa ser sempre assim". [sic] (Entrevista Alexandre Petillo)

A Revista Zero ainda mantém um público muito sólido na internet, em comunidades no site de relacionamento, Orkut. A Revista Mosh, que também acabou, tinha em suas edições, voltada para o público jovem, também linguagem literária. Hoje no Brasil a revista, Piauí e a Trip apresentam e escrevem em uma versão do jornalismo literário e de entretenimento, com um formato mais especializado para o seu público.

4.3. Jornalismo Gonzo se multiplica nos blogs


O verbete “gonzo” digitado no site de busca Google, é o começo para entender como essa linguagem é bastante conhecida no meio virtual, junto da imagem de Hunter Thompson e seus conceitos jornalísticos. Os blogs viraram “mania” entre os jovens e para aqueles que querem produzir seu próprio conteúdo de informação. Sem limites de edição e publicação, histórias são lançadas na internet, agregando novas formas de informação midiática, como vídeos, links e hiperlinks.

A linguagem do jornalismo gonzo é usada com muita simpatia entre os blogueiros que a conhecem, mesmo sem seguir a linguagem correta do jornalismo gonzo, eles se divertem contando fatos, às vezes bizarros. Páginas como do jornalista curitibano André Pugliesi, do portal http://www.jornalistademerda.org/.

Ele e seu fiel escudeiro, Rodrigo Abud, fazem relatos pitorescos de lugares inusitados. Exemplos: visitinhas a um cine pornô, a um baile de velhinhos solteiros, a um clube de swing e a uma luta de boxe trash amadora.(PENA, 2005, p.59).

O site do Cardoso tem como parte do conteúdo sua monografia, também uma boa fonte para aqueles que procuram referências bibliográficas e indicações mais acadêmicas e sérias sobre o tema. Cardoso é uma das poucas e primeiras referências no Brasil que entende sobre assunto.

Comunidades a respeito do Jornalismo Gonzo, Jornalismo Literário e de Hunter Thompson, podem ser encontradas no site de relacionamento Orkut, são bons exemplos que nesse meio virtual a linguagem é bem conhecida, sendo fonte de referência bibliográfica, como utilizou Felipe Pena, no livro Jornalismo Literário. Pena dá exemplos dos comentários feitos nos blogs dessas comunidades para pergunta, “o que é Jornalismo Gonzo”:

Humor ácido e espontâneo, que poupa nem a si mesmo. As questões sociais levantadas (as críticas de Chris Simunek sobre o seu futuro profissional como “professor substituto” são ótimas). O poder descritivo (Thompson descreve muito bem os Hell’s Angels). A “captação participativa”, que é quando o repórter deixa de ser espectador e participa dos fatos. (PENA, 2005, p. 58)

A internet tenta agregar todo tipo de informação e entretenimento que prenda o internauta. No caso do gonzo, muito dos blogs procurados sobre o assunto, são publicações de monografias ou parte desse registro.

.4. Filme com pegada Gonzo
Super Size Me, A Dieta do Palhaço

Fazer parte da matéria, recontar o acontecimento em primeira pessoa, ter conteúdo jornalístico, e aprofundar na informação. São essas algumas das principais características do Jornalismo Gonzo. Em um formato visual, o filme documentário de Morgan Spurlock, Super Size Me, através dessas características pode ser exemplo de uma linguagem do jornalismo gonzo. O filme conta os trinta dias em que Morgan tomou café da manhã, almoçou e jantou hambúrgueres da rede de lanchonete mais conhecida do mundo, Mc Donald’s, além de aceitar todos os Super Size, os hambúrgueres de tamanhos Super, que as atendentes ofereciam.

O documentário já é por si próprio, um gênero usado como forma de expressão da sociedade ou registro de algum acontecimento. Como o Gonzo, o documentário se aprofunda na informação, oferece uma visão interpretativa do fato. Se fizermos um paralelo entre o gênero documentário e o estilo de linguagem do Gonzo, podemos encontrar as seguintes combinações: mostra a realidade de uma maneira mais ampla e interpretativa, poucas bibliografias específicas e linguagem mais aprofundada.

O documentário tem como trabalho registrar, em particular, esse filme de Morgan, além de registrar o fato de que a maioria da população americana é obesa. Ele participa comendo todos os dias no Mc Donald’s, em estados diferentes dos Estados unidos, para transmitir e informar à todos. Esse retrato da nação americana é bem mostrado no decorrer do filme, dando a entender o tamanho do problema dessa sociedade que acha normal que seus cidadãos sejam obesos. Quando essa realidade muda de caminho, quando uma pessoa obesa emagrece é tratado como um herói, “temos que ver o que há de errado na nossa sociedade quando isso torna-se um efeito heróico”.(Morgan Spurlock, 2004). Morgan Spurlock que foi produtor e redator, além de ator do filme, diz isso quando faz o comentário do filme pronto, ao lado de sua namorada.

Super Size me é um exemplo de que a linguagem do jornalismo gonzo pode ser adaptada em diferentes formatos. Pois em vários momentos o diretor, personagem principal do documentário, descreve suas sensações por comer demais e passar mal, começar a ficar deprimido e conseguir ficar alegre apenas no momento em que volta a comer, ter palpitações no coração e ficar apavorado por isso, engordar, por sua perda de apetite sexual, esse fato detalhado por sua namorada vegetariana. Morgan consegue documentar o hábito alimentar desses americanos, principalmente, dos adolescentes que pouco se preocupam com a alimentação. Poucas são as escolas que usam em sua dieta produtos saudáveis para esses jovens, aumentando mais a cultura das junk food [1].

Morgan ganhou o prêmio de melhor documentário no festival de Sundance em 2004, mostrando e aprofundando um dos piores problemas americano e como o comodismo e a propaganda envolvem desde crianças até adultos. De uma maneira aprofundada, engraçada e de fácil entendimento, Super Size Me, é um bom exemplo de linguagem gonzo no meio cinematográfico.









[1] Comida de pouco valor nutritivo.


Beatriz Caetana
graduanda em Jornalismo
msn: biacramos@hotmail.com

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